3 de setembro de 2009

O céu e o inferno dos Rolling Stones

Finalmente destaco os Stones nesse blog! quem me conhece sabe da minha predileção ad perpetum pela banda mais velha do rock, e não é de hoje. Na verdade, pra não ficar caindo em lugar-comum, estava esperando a oportunidade e a pauta certa, e eis, que nesse final de agosto meteorologicamente instável, dois assuntos referentes à saga stoneana vieram à tona quase simultaneamente na minha cabeça, ambos ambientados no confuso e fértil período 1971/1972. Primeiro veio à lembrança o livro lançado em 2008 no Brasil sobre as conturbadas gravações do estupendo “Exile on Main Street. Só a sua resenha já daria uma boa postagem, mas então surgiu a notícia do vazamento na internet do documentário maldito “Cocksucker Blues” e voilá! Abriu-se à minha frente uma bela fresta, que se não escancara de todo, traz pistas contundentes sobre esse período-chave.
O livro, Uma temporada no inferno com os Rolling Stones, escrito pelo jornalista Robert Greenfield da revista Rolling Stone, traz os bastidores da gravação de Exile On Main Street, considerado o melhor e mais denso disco na carreira dos ingleses. Pela sucessão de problemas que vinha grudando no grupo desde o início da década, já foi miraculoso o disco ter saído; o que dizer então de um dos melhores discos de rock de todos os tempos? Pois sim: dos estercos mais fétidos brotam flores exuberantes.
A banda resolveu se empirulitar ainda em 1971 para a Riviera Francesa, fugindo dos altos impostos e do encalço da polícia. O refúgio escolhido foi uma velha mansão em Villa Nellcote, que diziam as más línguas, fora ocupada pela Gestapo durante a 2ª Guerra.Um paraíso no Sul da França, que logo “ardeu” na presença dos Stones . O autor capturou só duas semanas das gravações que se arrastaram por meses, e a sua visão de tantos desvarios e excentricidades fez com que o texto pendesse para momentos pitorescos e não-musicais,deixando um ar de decepção para os que procuram aspectos técnicos da gravação e pistas da afinidade musical do grupo. Mas que outro livro descreveria uma rotina popstar tão nua e crua, sem um pingo de glamour e infestada de humanidade e defeitos latentes? Keith Richards, recém-saído de desintoxicação em uma clínica, chafurdando em drogas again, atrasando as gravações e se trancando por horas no WC (detalhe: com guitarra, papel e caneta); John Lennon vomitando na escadaria após provar algumas guloseimas suspeitas; um calor insuportável no estúdio montado no porão , que fez com alguns músicos tocassem completamente nus; viciados, groupies, traficantes e desocupados desfilando pela mansão, dividindo espaço com crianças pequenas, rebentos dos integrantes da banda , além da gravidez da fresca e sofisticada modelo Bianca, recém-senhora Jagger, que não agüentou a podreira reinante e se mandou dali. Com tudo isso às vistas, o autor, que tinha só 21 anos na época, e estava ali para entrevistar o “maestro” daquela balbúrdia, Keith, não conseguiu evitar as extrapolações extra-musicais. Depois de meses neste caos reinante, a banda mixou o disco nos EUA e lançou-se numa lucrativa turnê (também coberta por Greenfield em livro inédito no Brasil). O disco, com suas nuances, climas e instrumentos no ponto certo, suscita paixão imediata e até estranhamento, mas nunca indiferença. Quem gosta de prima, tende a gostar mais com o passar dos anos; quem estranhou à primeira ouvida, descobre texturas posteriores que surpreendem. Uma obra instigante, atemporal. Também um dos melhores momentos do rock gravado no vinil.
A turnê americana de 1972, segundo tempo da alucinada peleja de Nellcote, também deu o que falar. Posteriormente ficou conhecida como a excursão que guindou as turnês roqueiras a um outro plano, tanto em planejamento como financeiramente. Mas as loucuras estavam só começando. O diretor Robert Frank ( autor da capa de Exile) conseguiu passe livre da banda para gravar os bastidores e montar um documentário oficial, mas acabou se empolgando com o excesso de liberdade e distribuiu câmeras para os integrantes da tour, que filmaram o que bem entenderam. Resumo da ópera: sexo e drogas como trilha para o rock and roll, como se isso fosse provável. A banda vetou a exibição e o filme ficou no limbo por mais de três décadas, até a semana passada, quando surgiu em um site francês e logo se espalhou pela web mundial. O documentário, conhecido como Cocksucker Blues, polêmico desde sempre, continua sua saga maldita. E os Rolling Stones, 37 anos depois, muitos deles parecidíssimos com 1971 e 1972, prosseguem na ativa, velhos como nunca, vivos e safos como sempre.

* Mick à respeito do abortado Cocksucker Blues: “ O filme é bom pra caralho, mas se ele for lançado nunca mais deixarão a gente voltar aos Estados Unidos”.

*O livro está á venda aqui:
http://livraria.folha.com.br/catalogo/1012295

*trechos do documentário ainda pipocam aqui e ali na net, mas não ficam muito tempo ativos.

Em tempo I: segundo acordo incomum entre a banda e o diretor em 1972, algumas poucas cenas foram liberadas, mas só podem ser exibidas publicamente uma vez por ano, na presença de Robert Frank, sempre com um prévio letreiro avisando que a obra é de ficção!

Em tempo II: Cocksucker Blues inicialmente, era o nome de um blues composto por Jagger-Richards, obrigados a entregar por cláusula contratual, uma última música para o selo Decca e seus empresários, com quem a banda rompera relações. Bem de acordo, pra sacanear mesmo, a música é vulgar, obscena, lasciva, arrastada, e pouca gente ouviu.

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