8 de maio de 2010

Sérgio Ricardo, muito além do violão vilão

Sérgio Ricardo ficou estigmatizado para sempre por um ato de poucos segundos. Depois de cantar com dificuldades sua música Beto Bom de Bola no Festival da MPB de 67, em meio a intermitentes vaias - e eu estou cada vez mais convicto que os festivais de música dos anos 60 tinham na platéia mais profissionais de vaias do que outra coisa - o compositor perdeu a paciência, e no desfecho da canção, quebrou o violão no chão e jogou-o na turba barulhenta. Muitos na época queriam ter feito o mesmo, mas o único que enfrentou "fisicamente" a platéia foi ele. Caetano Veloso atacou na oratória um ano depois, Jards Macalé comeu rosas com maçã em sua Gothan City (1969) e Walter Franco e o maestro Julio Medalha sentaram no palco e silenciosamente, armaram um jogo imaginário - mas jogar violão, só ele. Certamente um dos momentos mais emblemáticos dos 60, mas que ao longo dos anos, ficou tatuado para sempre na carreira errática de Sérgio Ricardo - uma última mini-entrevista com ele em jornal de SP só repisou esse assunto - e prejudicou demais sua jornada musical posterior. Como o artista jogava com as duas e cabeceava, acabou se virando em outras atividades como cinema e artes plásticas, o que virou uma saída salutar de sobrevivência. A sua música, revista longe do violão quebrado, é bem interessante. Sempre política/social, com um breve início mais suave na bossa nova, lembra as toadas do seu contemporâneo Geraldo Vandré, embora repique no samba, entranhada nos sertões e interiores miseráveis do país, com um vocal que lembra a clã Caymmi. Depois da sua elogiada parceria com Glauber Rocha e outras trilhas ( incluindo até novela televisiva), Sérgio lançou alguns discos esporádicos, belos e fortes como sempre, mas péssimos em venda, e acabou caindo de cabeça no cinema como realizador e produtor, na literatura e nas artes plásticas, em obras muito elogiadas no meio. Nesta segunda-feira, 10, a Casa das Rosas ( Avenida Paulista,37) lança mais um volume da competente e aberta coleção Aplauso ( da Imprensa Oficial, que já tem pelo menos uma centena de lançamentos) e o biografado da vez é o próprio Sérgio Ricardo, que completa 60 anos de carreira e também está com uma exposição de arte plástica digital , intitulada Artistas da Rua, com cerca de vinte telas, no interior do mesmo espaço cultural desde a semana passada. O livro em questão, Canto Vadio, foi escrito pela Eliana Pace e custa R$30. É uma grande chance de se conhecer outras facetas deste artista, que merece uma reavaliação de sua obra, muito além de um certo violão vilão que violou vaias.
Pra quem não viu, a sua participação no FMPB da Record ( e uma ráida aparição de Chico Anysio no júri): http://www.youtube.com/watch?v=OqtgtrSxj6M

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